Marco regulatório traz segurança jurídica, mas pouca concorrência de ônibus

O novo marco regulatório do transporte rodoviário interestadual de passageiros, estabelecido pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), completou um ano de vigência.
A norma traz maior segurança jurídica e critérios de qualidade para fornecimento de serviço, no entanto, ainda não conseguiu ampliar a concorrência de empresas do segmento e atender regiões consideradas como desertos de linhas.
A norma foi estabelecida, segundo o órgão, com objetivos de garantir a prestação adequada do serviço, promover maior concorrência entre os operadores com menos burocracia, e priorizar a segurança viária, jurídica e dos direitos dos passageiros.
Além disso, a ANTT busca com a nova legislação reduzir a concentração de mercado com abertura gradual e planejada, e incentivar a universalização do acesso ao serviço, especialmente em regiões de menor atratividade econômica.
No entanto, dados obtidos e analisados pela CNN indicam que esses objetivos estão longe de se concretizar. Desde a entrada em vigor da norma, em agosto de 2024, até julho deste ano, o número de empresas autorizadas a operar no setor cresceu apenas marginalmente — de 186 para 190.
Da mesma forma, o aumento na quantidade de mercados atendidos (combinações de origem e destino) foi de apenas 4,88%, passando de 42.844 para 44.935, o que revela um avanço tímido frente às metas propostas pela Agência.
Procurada pela CNN, a ANTT informou que houve um aumento de 25% na janela extraordinária, período específico e excepcional em que a Agência abre a possibilidade para que empresas interessadas solicitem autorizações para operar em novos mercados.
A nova regulamentação, segundo o órgão, já atende 1.281 mercados que estavam desassistidos.
Entraves ao longo dos anos
Pelo menos desde 2014, há mudanças nas normas para operação de empresas de ônibus no transporte interestadual. A ANTT passou a adotar o regime de autorização para o transporte rodoviário interestadual, eliminando a exigência de licitação e prometendo abertura de mercado.
Em 2015, o órgão publicou uma resolução que previa a abertura do mercado em 2019, com liberdade de preços e entrada de novos operadores. No entanto, a Agência não realizou estudos técnicos nem definiu critérios objetivos, convertendo autorizações antigas em definitivas e bloqueando novos concorrentes.
Em resposta, o Executivo editou o Decreto nº 10.157/2019, reforçando a livre concorrência.
A ANTT reconheceu a defasagem normativa e iniciou a análise de pedidos represados. Situação que fez a entrada de novos operadores e a oferta de serviços melhorou.
Mesmo assim, a abertura para novas empresas seguiu limitada. Nesse modelo, o setor permaneceu fechado à concorrência, favorecendo empresas que já estavam estabelecidas.
Em 2023, o STF (Supremo Tribunal Federal) reconheceu a constitucionalidade do modelo de autorização, desde que respeitados os princípios da livre concorrência e isonomia. No ano seguinte, ocorreu a implementação do novo marco regulatório.
Como avaliam especialistas
“A norma impôs condições restritivas à entrada de novas empresas, como limite máximo de autorizações, períodos fixos de ingresso (janelas regulatórias), exigência de processo seletivo público e até sorteio de mercados. Tudo isso foi direcionado exclusivamente a novos entrantes, blindando as empresas já autorizadas”, avalia Priscila Zanetti, advogada sócia da área de mobilidade do escritório /asbz.
Segundo Zanetti, mesmo após anos de mudanças normativas, a legislação vigente ainda restringe o acesso de novas empresas, favorecendo a permanência dos grandes players e dificultando a renovação e a concorrência no setor.
“Tudo isso acaba impactando diretamente no direito fundamental, que é o transporte, um serviço super essencial”, diz.
“O cidadão brasileiro acaba sendo muito impactado, porque os preços são altos, os serviços são péssimos. São poucas as empresas e sempre as mesmas empresas. Esse monopólio não dá uma evolução no mercado de transporte”, argumenta Zanetti.
Com uma visão diferente, Letícia Pineschi, empresária do setor e conselheira da Abrati (Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros), considera que o marco trouxe segurança jurídica para os empresários e critérios de qualidade para as empresas.
Segundo ela, o marco regulatório estabelece parâmetros técnicos — como a satisfação dos passageiros, a idade média da frota e o cumprimento das normas — para avaliar a qualidade do serviço prestado.
Ela pontua que, caso as empresas apresentem desempenho insatisfatório ou crítico em dois ciclos consecutivos, poderão ter sua licença revogada.
“A criação de um sistema mais meritocrático e eficiente permite com que as empresas se destaquem num ambiente de concorrência. Se hoje nós temos liberdade para pedir linhas, para pedir sessões e horários, é porque está de fato estabelecida e que não há um mercado fechado”, frisa Pineschi.
No entanto, conforme a conselheira da Abrati, empresas que pleitearem devem demonstrar a capacidade técnica e a saúde financeira para que essa linha seja concedida.
“Não se permite mais a venda ou arrendamento de licenças operacionais, algo que acontecia”, relata.
Conforme a representante do setor, o empresário só é capaz de fazer investimentos nos serviços com segurança jurídica. “Então, o novo marco regulatório, sim, a partir do momento que ele fornece essa segurança jurídica, possibilita a implementação de inovação e melhorias.”
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